"(...) Apesar de tudo, é necessário que alguém, ainda que este alguém seja eu, ponha-o em guarda contra sua própria credulidade. Morremos quase sempre da crueldade ignorada dos seres que nos cercam. Ah, se eu conseguisse trazer à sua memória a lembrança de alguns fatos... de algumas situações antigas... os primeiros tempos... a vida no Pavilhão. Aquele dia, Valdo, na escada cheia de folhas mortas, quando você me abraçou, dizendo: "Nunca, Nina, nunca nos separaremos neste mundo!" E nos separamos, cada dia que se passa achamo-nos mais distantes um do outro. Naquele momento, porém, parecia ser verdade, o ar estava impregnado de jasmim, e todo o mundo vegetal que nos cercava como que aludia à nossa causa, e jurava pela sua viva permanência. Mas que sortilégio pôde ter surgido, como tudo se transformou assim de repente? Que me aconteceu, que aconteceu ao nosso amor? Então não há nada certo, geramos apenas o esquecimento e a distância? As palavras, meu Deus, não significam coisa alguma, não têm poder para selar nenhum juramento? Quem somos nós que assim passamos como espuma, e nada deixamos do que construímos, senão um punhado de cinza e de sombra? Debato-me, o coração me vem aos lábios: que é válido, que é invulnerável à fúria do tempo, qual o sentimento que não se esgota e não se ultraja?
Repiso em vão essas teclas todas. Sinto-o mudo, difícil, o olhar desviado para longe. O longe é a imagem do nosso cansaço. Ali, onde nunca entrará nenhum vislumbre da minha pessoa, nem a projeção de um gesto meu, nem o eco de nenhuma das minhas palavras, ali você se refugiará com a sua certeza, e cavará minha sepultura com mãos desfiguradas e sem alma. Estou definitivamente morta para você, uma lápide imensa, sem forma, nos afasta para sempre um do outro. Ah, e isto é o que me abala e me consome. Imaginá-lo assim distanciado, sem um olhar de piedade para aquilo que nos constituiu. Imaginá-lo no seu silêncio, completamente esquecido do que me jurou e prometeu, e me sentir como se eu fosse apenas um nome, soprado há muito na vastidão de um jardim que não existe mais. Um nome, como uma pétala que cai (...)."
Primeira carta de Nina a Valdo Meneses;
Crônica da Casa Assassinada - Lúcio Cardoso
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