terça-feira, 24 de novembro de 2009

Tempestade em copo d'água


Um dia você ainda se afoga, menina
Um dia ainda vai se afogar
Com lágrimas tristes e bobas assim
Nem o copo vai mais te guardar
Nem o copo vai mais te guardar.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Give Peace A Chance

Derek: Ask most surgeons why they became surgeons and they usually tell you the same thing. It was for the high, the rush, the thrill that comes from cutting someone open and saving their life. For me it was different, maybe it was because I grew up in a house with four sisters. No, definitely because I grew up in a house with four sisters because it was the quiet that drew me to surgery. The operating room is a quiet place. Peaceful. It has to be in order for us to stay alert, anticipate complications. When you stand in the OR, your patient open on the table, all the world's noise, all the worry that it brings disappears. A calm settles over you, time passing without thought. For that moment, you feel completely at peace. (...)

Derek: Isaac, if I get in there and find it's too dangerous to remove, the responsable thing is to close you back up.

Isaac: No, don't close me up. If you get in and it's too complicated, cut the cord. Paralyze me if you must. I survived a war, did you know that? I survived a war where they put bodies in to mass graves where there was once a playground. I survived the death of my family, my parents, my brothers and sisters. Then I survived the death of my wife and child when they starved to death in a refugee camp. I survived the loss of my country, of hearing my mother tongue spoken, of knowing what it feels like to have a place to call home. I survived. And I will survive the loss of my legs. If I have to, I'll survive it. Ok? But Derek...

Derek: Yes?

Isaac: There is always a way when things look like there's no way. There's a way to do the impossible, to survive the insurvivable. There's always a way. And you, you and I have this in common. We're inspired. In the face of the impossible, we're inspired. So if I can offer one piece of advice to the world's foremost neuro surgeon... Today, if you become frightened, instead... become inspired. (...)

Derek: Ask most surgeons why they became surgeons and they usually tell you the same thing. The high, the rush, the thrill of the cut. For me it was the quiet. Peace isn't a permanent state. It exists in moments. Fleeting. Gone before we knew it was there. We can experience it at any time, in a stranger's act of kindness, a task that requires complete focus or simply the comfort of an old routine. Everyday we all experience these moments of peace. The trick is to know when they're happening so that we can embrace them, live in them. And finally let them go.


Give Peace a Chance,
7º episódio da 6ª temporada de Grey's Anatomy.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

I Always Feel Like Somebody's Watching Me

"Paranoia gives you an edge in the OR. Surgeons play out worst-case scenarios in their heads. You're ready to close, you got the bleeder. You know it, but there's that voice in your head asking: what if you didn't? What if the patient dies and you could have prevented it? So you check your work one more time before you close. Paranoia is a surgeon's best friend. (...) We're all susceptible to it, the dread and anxiety of not knowing what's coming. It's pointless in the end, because all the worrying and the making of plans for things that could or could not happen, it only makes things worse. So walk your dog or take a nap. Just whatever you do, stop worrying. Because the only cure for paranoia is to be here, just as you are."

(Meredith Grey)

I Always Feel Like Somebody's Watching Me,
3º episódio da 6ª temporada de Grey's Anatomy.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Os Objetos

“  (...) — E este anjinho? O que significa este anjinho?
  Com a ponta da agulha ela tentava desobstruir o furo da conta de coral. Franziu as sobrancelhas.
  — É um anjo, ora.
  — Eu sei. Mas para que serve? — insistiu. E apressando-se antes de ser interrompido: — Veja, Lorena, aqui na mesa este anjinho vale tanto quanto o peso de papel sem papel ou aquele cinzeiro sem cinza, quer dizer, não tem sentido nenhum. Quando olhamos para as coisas, quando tocamos nelas é que começam a viver como nós, muito mais importantes do que nós, porque continuam. O cinzeiro recebe a cinza e fica cinzeiro, o vidro pisa o papel e se impõe, esse colar que você está enfiando... É um colar ou um terço?
  — Um colar.
  — Podia ser um terço?
  — Podia.
  — Então é você que decide. Esse anjinho não é nada, mas se toco nele vira anjo mesmo, com funções de anjo. — Segurou-o com força pelas asas. — Quais são as funções de um anjo?
  Ela deixou cair na caixa a conta obstruída e escolheu outra. Experimentou o furo com a ponta da agulha.
  — Sempre ouvi dizer que o anjo é o mensageiro de Deus.
  — Tenho uma mensagem para Deus — disse ele e encostou os lábios na face da imagem. Soprou três vezes, cerrou os olhos e moveu os lábios murmurejantes. Tateou-lhe as feições como um cego. — Pronto, agora sim, agora é um anjo vivo.
  — E o que foi que você disse a ele?
  — Que você não me ama mais.
  Ela ficou imóvel, olhando. Inclinou-se para a caixinha de contas.
  — Adianta dizer que não é verdade?
  — Não, não adianta. — Colocou o anjo na mesa. E apertou os olhos molhados de lágrimas, de costas para ela e inclinado para o abajur. — Veja, Lorena, veja... Os objetos só têm sentido quando têm sentido, fora disso... Eles precisam ser olhados, manuseados. Como nós. Se ninguém me ama, viro uma coisa ainda mais triste do que essas, porque ando, falo, indo e vindo como uma sombra, vazio, vazio. É o peso de papel sem papel, o cinzeiro sem cinza, o anjo sem anjo, fico aquela adaga ali fora do peito. Para que serve uma adaga fora do peito? (...). ”


Trecho de Os Objetos, da escritora Lygia Fagundes Telles, em seu livro de contos Antes do Baile Verde.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Crônica da Casa Assassinada (VII)

“  Com uma das mãos segurava a ponta da cortina, com a outra alisava-me a face. Não havia neste gesto nenhuma sensualidade, mas a minúcia, o carinho de um artista pela sua obra. Deste modo acariciou-me as pálpebras, a curva do queixo, o pescoço — e devagar sua mão desceu até a curva do meu colo.
  — É bela, é bela ainda, é muito bela — disse, com a satisfação e a gravidade de um cego que já não teme nenhuma traição da realidade.
  Diante de mim eu via apenas aquele rosto tumefato, que deveria ser sem expressão, e que apesar de tudo, àquela hora, iluminava-se à luz de um fogo concentrado. Abandonou-me com um suspiro, deixando ao mesmo tempo tombar a cortina:
  — Assim você deve se conservar, Nina, para desespero dos homens. Ah, o que eles devem amargar com a sua beleza!
  Na obscuridade, uma última vez, passou docemente a mão sobre meus olhos:
  — Mas vamos, enxugue estas lágrimas; que lhe adiantam elas? As lágrimas não têm grande cotação nesse mundo; e depois, uma pessoa de sua força não deve chorar nunca.
  Dizendo isso, afastou-se. Vi seu vulto submergir na penumbra, enquanto uma vaga cheirando a jasmim flutuava em sua esteira. Continuei sentada e, inexplicavelmente, tive a impressão de que mergulhara numa escuridão maior do que aquela em que estivera antes.”

Continuação da carta de Nina ao Coronel;
Crônica da Casa Assassinada - Lúcio Cardoso.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Telefonema, #19

 (...)
 — Vai ver você se esticou e não percebeu.
 — Não sei... mas as linhas da minha mão parecem mais longas. E cada minuto parece mais curto. Talvez seja isso. Mas deitada encarando as palmas da mão, como quem pede esmola ao passante, me veio a idéia de que cada minuto é um minuto a mais. Ou a menos. Ou a mais, ou a menos. Mais ou menos.
 — Sim.
 — Sabe, Heitor. Eu tenho me sentido muito velha ultimamente...
 — É mais uma questão de gosto do que de percepção, você sabe, não sabe?
 — Mais ou menos.
 — É. Ou a mais, ou a menos.


(trecho)

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

'Til Kingdom Come





Still my heart and hold my tongue
I feel my time, my time has come
Let me in, unlock the door
I've never felt this way before

And the wheels just keep on turning
The drummer begins to drum
I don't know which way I'm going
I don't know which way I've come

Hold my head inside your hands
I need someone who understands
I need someone, someone who hears
For you, I've waited all these years

For you I'd wait 'til kingdom come
Until my day, my day is done
And say you'll come and set me free
Just say you'll wait, you'll wait for me

In your tears and in your blood
In your fire and in your flood
I hear you laugh, I heard you sing
I wouldn't change a single thing

And the wheels just keep on turning
The drummers begin to drum
I don't know which way I'm going
I don't know what I'll become

For you I'd wait 'till kingdom come
Until my days, my days are done
And say you'll come and set me free
Just say you'll wait, you'll wait for me.

Just say you'll wait, you'll wait for me.
Just say you'll wait, you'll wait for me.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Um milhão

"E eu vou escrever um milhão de cartas com um milhão de declarações de amor, e juro que passo um milhão de dias do seu lado e não me canso. E posso te dar um milhão de beijos se você quiser, garanto um milhão de sorrisos por dia e um milhão de pensamentos pra você por segundo. Prometo um milhão das suas flores favoritas fazendo tapete no chão da sua casa, prometo um milhão de tardes jogando conversa fora, prometo um milhão de horas dormidas perdidas no seu abraço. Te dou um milhão de verdades, um milhão de doces, um milhão de jantares românticos, um milhão dos seus jogos legais mais chatos do mundo. Um milhão de noites debaixo de um milhão de estrelas, um milhão de cafés-da-manhã, um milhão de colos pro seu cochilo e um milhão de ombros pro seu choro. Te dou um milhão de suspiros, gemidos, gargalhadas, desejos, sonhos, te dou um milhão de mim. E se acontecer de você se cansar e achar que te dou muita coisa, eu prometo que apareço sozinha, acompanhada apenas do meu amor... ambos no intervalo de um infinito. Pra você não se perder no caminho."

(trecho)

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

37° C

Na cidade quente... nada acontece.
Passa bicicleta, passa gente,
passa carro, moto e ônibus,
passam todos na rua da frente,
mas nada acontece.

Entram enfermeiros, fisioterapeutas,
tias, primos, doutores, moças,
todos reclamam "como está quente!",
entra peixe que veio do rio que vai longe,
às vezes entra uma brisa indiferente,
mas na cidade quente... nada acontece.

O calor vem. Mas não vai passar.
Vai invadindo os quartos,
banheiros, copa, cozinha,
invade a sala de estar,
passa pelo canil, lavanderia,
e tem gente que diria
que o calor haveria de acabar.

Mas na cidade quente nada acontece.

O picoleiro chama, e as crianças vão.
Todos na varanda esperando o vento.
E logo cria-se um descontento,
porque nem gelado é solução.
Então o que fazem?
Continuam na varanda.
Esperam já não sei o quê.
Porque na cidade quente nada acontece.

Na cidade quente não adianta ventilador,
porque o calor não passa.
Não adianta chuva, vento, sombra,
porque o calor não passa.
Não adianta banho de mangueira,
de chuveiro ou de banheira,
porque o calor não passa.

Na cidade quente nada acontece.
Ficam todos enfurnados no tédio.
Porque o calor traz desânimo,
mal-estar,
desgosto,
é calor.
E com ele fica a prova
de que na cidade quente nada acontece.

Nada acontece na cidade quente.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Vinte reais

São 20h37 de uma sexta-feira e ele está parado no ponto de ônibus. Teve que ficar até tarde ajeitando as coisas da loja, porque gerente também se fode, e pensava nisso. Em como estava fodido. Em como toda a sua vida estava fodida. O filho fodido na escola e fodido no namoro, a esposa fodida na menopausa, ele fodido nas Casas Bahia, a empregada que se demitiu porque o filho queria treinar foda com ela, o carro fodido no mecânico, mecânico fodido, tudo fodido. E o ônibus fodido não passava. Então é de se esperar que a fala inicial dessa história tenha vindo dele justamente assim:

- Puta, tá foda...

Foi só terminar as reticências que sentiu um cano em suas costas.

- Parado aí, bichão, ou tu morre.

Só teve tempo de pensar "Vai tomar no cu!" e falou, de costas, sem se mover:

- Amigo, quebra meu galho, eu tô fodido...

- Fodido tu vai ficar se continuar falando, passa a grana aê, passa rápido!

- Meu irmão, me escuta.

- Sou teu irmão porra nenhuma não, fí, passa a grana senão tu morre aqui e agora!

Resolveu mandar a cautela ao inferno e virou-se para o bandido. Era um homem que aparentava uns 30 e poucos anos, barba por fazer, boné colocado de qualquer jeito na cabeça. Apontava uma arma para a sua barriga. E uma gota de suor começava a escorrer pela bochecha do bandido. Pensou: "Calor filho da puta, bandido filho da puta".

- Amigo, entende uma coisa. Eu vejo que cê tá apontando a arma pra mim e eu não duvido que você vá me matar. Mas antes, me escuta.

- Te escutar o que, rapá, cala tua boca e passa o dinheiro! Filho da puta!

- Meu caro, você quer matar um homem que não tem um puto no bolso! Um puto no bolso, me entende? Olha aqui, ó (remexeu os bolsos), eu tenho dois Tridents de menta, o cartão do ônibus que é do meu filho porque meu carro tá no mecânico e 20 reais com um durex, uma porra dum durex, cê vai me matar por 20 reais? Eu sou pai de família, tenho que levar sustento pra casa, tô na pindaíba e você quer tirar o pouco que eu tenho por causa de 20 reais, amigo?

- Então passa os 20 conto que fica tudo de boa, mas anda logo, maluco!

- Eu não posso te dar os 20 reais porque eu prometi à minha esposa que ia passar na padaria pra comprar apresuntado e manteiga, meus cigarros acabaram também, e tenho que comprar o xarope pra tosse do Henrique porque a gente não agüenta mais o menino tossindo a noite inteira, meu filho tem rinite e sinusite, a coisa atacou, menino não pára de tossir, como é que eu chego em casa sem o xarope do meu filho, colega? Como?

O bandido começa a abaixar a arma e diz:

- Malaco, te vira, só passa a grana que eu vou embora e a gente fica de boa...

- Não! - e ele já está revoltado - Não vou te passar! Eu trabalho todo dia na porra daquela Casas Bahia pra conseguir pagar as coisas da minha mulher, porque agora ela deu pra achar que tá na menopausa, então estamos entrando numa crise, você acha que eu ainda lembro do que é trepar? Não, meu irmão, eu não trepo já tem quatro meses e isso é alguma coisa sim senhor, e eu tenho que ir todo dia pr'aquele furdunço desgraçado ver nego sendo assaltado porque eu sei que aquilo é um assalto, culpa não é minha, aí me quebra o carro, Henrique me quebra o carro levando a namoradinha pro curso de mandarim, quem é que faz curso de mandarim nessa cidade nesses tempos? Mas Henrique leva pra conseguir trepar com a menina e não ser um perdedor tipo o pai que não trepa com a esposa e quebra o carro, ele quebra o carro e o mecânico é um ladrão que também devia trabalhar nas Casas Bahia, então eu pego ônibus com o cartão do Henrique e a coisa já falhou duas vezes só nessa semana, só nessa semana! E agora é sexta e eu acho que finalmente vou chegar em casa e tirar esse suor fedido do corpo e tomar uma latinha e você quer meus vinte reais? Meus vinte reais?

O bandido se revolta e fala:

- Se tu continuar com essa ladainha eu te mato ocê! Eu te mato ocê, tá entendendo?

E ao erguer a arma, o homem percebe que não faz mais diferença. Não faz. Resolve abrir os braços e diz:

- Mata.

- Maluco, qual é a tua?

- Não, porra, mata! Mata mesmo. Não faz mais diferença. Não faz. Minha vida vale mais que vinte paus. Isso não é vida. Atira.

- Colé, irmão!

- Atira, seu filho da puta! Atira!

- Tu tá me achando com cara de chumbinho que ocê pega e toma pra se matar, fí? Eu não vou resolver teus ploblema não! Pára de me pedir pra te matar ocê que eu não sou livra-alma não, cacete!

- Eu te dou 20 reais e o cartão do BH Bus! Vai! Mata!

- Sai daqui, viado, não vou matar ninguém não, se acalma! Seu porra! Fica calmo, cacete!

- Calmo, ficar calmo, como fico calmo, eu devia trabalhar na Ricardo, eu devia nem trabalhar, eu devia ter ido pra São José do Jacaré ter ficado quieto no meu canto, quieto no meu canto quando eu tive a chance, mas agora eu tô aqui, puta que pariu eu preciso duma cerveja! Eu quero uma cerveja antes de morrer! Calor filho da puta! Gravata filha da puta! Bandido filho da puta!

- Filho da puta é tu, neguim! Filho da puta é tu! Quieta aí!

- Quer saber dum negócio? Cê vai comigo pro bar. Pro bar!

- Viado, tá louco, sai daqui! Pára de me puxar, seu bosta!

- Pro bar! Beber! Vinte milha só de cachaça, é isso que eu quero, e tu vai comigo. Cê vai comigo porque você é um grande homem e é por sua causa que eu percebi que a minha vida vale mais! Vale muito mais!

E, depois de muita insistência, foram para o bar mais próximo. Tomaram mais do que vinte reais, porque o assaltante também ajudou, e trocaram confidências e segredos e verdades e, no fim, se chamaram de irmãos. De verdadeiros amigos. E beberam em nome da amizade, da irmandade, da colegagem. Em nome do tempo em que Roberto Carlos não era brega e não era coisa de idoso em cruzeiro, em nome do tempo em que as favelas eram menos violentas e em nome do tempo em que era mais fácil comer a empregada do que a esposa ou a namoradinha que faz mandarim. Então, às 3h da manhã, o homem chegou em casa tropeçando nos próprios pés e, mais tarde, no mesmo dia, uma filial das Casas Bahias foi saqueada.

E a história acaba aqui, mas vale mencionar que encontraram, em cima de um balcão da loja, uma nota de vinte reais colada com um pedaço de fita adesiva e um Trident de menta.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Bem

Eu só quero que você saiba, entre um segundo ou outro de qualquer existência nossa, que eu realmente adoro segurar a sua mão enquanto você dirige, e gosto do toque dela na minha, gosto de saber que ela é quente e macia e que dá vontade de não soltar. E que eu gosto muito do seu sorriso pra mim, quando você pára e fica olhando nos meus olhos, e diz aquelas coisas bonitinhas que me fazem derreter e querer te dizer que sim, que sim. E que a possível insegurança que bate na porta não é por sua causa, mas por minha, porque entre um segundo ou outro de qualquer existência nossa eu posso acabar dizendo que não, que não, porque afinal, por que seria? Mas eu só quero que você saiba que, entre um sim e um não e um talvez e qualquer outra coisa que eu diga, meu coração realmente se enche de calor quando pensa em você, quando te sente, quando te quer perto, porque te queremos perto sempre. Porque a sua proteção é real e sincera e porque você tem a capacidade de sentir quando algo está errado, mesmo que não saiba na maior partes das vezes, e porque você está sempre lá. Eu só quero que você saiba que eu sei que você está lá. E aqui. Nas minhas mãos, nos meus olhos, no meu sorriso, na minha proteção, em mim. E gosto de todos os segundos de todas as existências de todo o sim e de todo o não, e que se eu te chamo de meu bem é porque eu realmente quero dizer isso. Saiba que eu realmente acho isso. Você é, de todas as formas, o meu bem. O meu bem.

sábado, 26 de setembro de 2009

No Rain




All I can say is that my life is pretty plain,
I like watching the puddles gather rain.
And all I can do is just pour some tea for two
And speak my point of view,
But it's not sane
It's not sane...
I just want someone to say to me
"I'll always be there when you wake".
You know I'd like to keep my cheeks dry today,
So stay with me and I'll have it made.
And I don't understand why I sleep all day,
And I start to complain that there's no rain,
And all I can do is read a book to stay awake,
And it rips my life away
But it's a great escape.
All I can say is that my life is pretty plain,
You don't like my point of view,
You think that I'm insane.
But it's not sane
It's not sane...
I just want someone to say to me
"I'll always be there when you wake".
You know I'd like to keep my cheeks dry today,
So stay with me and I'll have it made,
and I'll have it made.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Elevator Love Letters

"Surgeons are all messed up. We're butchers, messed up knife happy butchers. We cut people up, we move on. Patients die on our watch, we move on. We cause trauma, we suffer trauma. We don't have time to worry about all the blood and death and crap it really makes us feel. (...) But doesn't matter how tough we are, trauma always leaves a scar. It follows us home, it changes our lives, trauma messes everybody up, but maybe that's the point. All the pain and the fear and the crap. Maybe going through all of that is what keeps us moving forward. It's what pushes us. Maybe we have to get a little messed up, before we can step up."

Elevator Love Letters,
19º episódio da 5ª temporada de Grey's Anatomy.

domingo, 20 de setembro de 2009

Um criminoso

  “Depois saio do quarto, fecho a porta cuidadosamente, vou até a sala, abro a janela, respiro fundo. Uma frase besta aparece toda hora na minha cabeça: amanhã é outro dia. Claro que amanhã é outro dia, porra.
   Aqui no prédio estão dando uma festa no sétimo andar, parece que está animada, música a todo volume, o som bate no prédio em frente e volta, dá a impressão que a festa é lá e não cá, as aparências enganam, quem vê cara não vê. Minhas mãos me incomodam, excesso de dedos. Tenho vontade de fumar, mas perdi os cigarros.
  Vou até a cozinha, abro a geladeira, pego a garrafa de vodca no congelador, pego um copo, ponho uma boa dose de vodca no copo, observo minha mão, não treme nem um pouco, uma mão absolutamente segura, insuspeita, mão de profissional, de cirurgião. Isso mesmo: mão de cirurgião. Bebo um gole.
  Olho em volta. A cozinha está escura. Acendo a luz. De repente os objetos parece que vêm à tona, é essa a idéia, antes estavam afundados na escuridão, agora vêm à tona. Todos exatamente nos seus lugares, nenhum aproveitou a minha ausência para sumir, virar-se do avesso, se transformar em salamandra ou estátua de sal. Essa lealdade das coisas sem vida me enternece profundamente, dá quase vontade de chorar. A gente sempre pode confiar num escorredor ou num fogão de quatro bocas ou num pano de prato, eles são absolutamente incapazes de sacanear a gente. É mesmo um negócio comovente. O amor deve ser mais ou menos isso.
   Apago a luz, saio da cozinha, volto à janela. No edifício em frente ao meu, onde parece que é a festa, só que não é, tem uma mulher sozinha num apartamento no andar bem na altura do meu. De vez em quando ela vem até a janela, provavelmente não consegue dormir com o calor, com o barulho da festa aqui no prédio. Está com uma camiseta comprida, quando ela se afasta da janela, que é baixa, dá pra ver que está com as pernas de fora, talvez não tenha nada por baixo da camiseta, direito dela, afinal de contas está na casa dela, ninguém tem nada a ver com isso. Não chega a se debruçar para fora, nem mesmo se apóia no parapeito como eu, só faz chegar perto da janela, bater a cinza do cigarro, olhar um pouco, voltar para a penumbra da sala. Mais nada.
  Olho para a rua. Da minha janela vejo um bom pedaço de rua, terminando nuns prédios altos com um morro atrás, uma rua não muito movimentada mas também não totalmente morta, e hoje, que é sábado, mais movimentada que nas outras noites. A calçada está cheia de carros, muito mais carros na calçada que na rua propriamente dita, e entre dois carros estacionados vejo um casal abraçado, um abraço bem apertado, se beijando, na verdade estão praticamente trepando em via pública, é claro que não têm para onde ir, ele deve ser auxiliar de escritório, mora com a mãe em Del Castilho, não pode levar a mulher para lá e dizer à mãe: essa aqui é a Fulana, a senhora dá licença, a gente vai pro quarto dar uma trepadinha, não pode, coitado, e ela deve ser balconista das Lojas Americanas, mora numa vaga aqui mesmo em Copacabana, num terceiro andar de Barata Ribeiro, três camas no mesmo quarto, duas numa beliche e a outra num sofá-cama com uma mola quebrada, a dona do apartamento é uma velha alemã gorda e ranzinza, proíbe expressamente as moças de trazer visita para casa, homem então nem pensar, afinal a casa não é delas e sim dela, sou uma senhora de rrrespeito. De modo que não tem outra saída, tem que ser ali mesmo, na rua, entre um Chevette cinza e um Fiat vermelho, bem na cara de quem estiver na janela olhando. Quem tiver olhos que veja. O pior cego é o que não quer ver. Amanhã é outro dia.
   Volto à cozinha. Não acendo a luz, basta a luz da geladeira quando eu abro a porta. Diabólica essa luz que só acende quando eu abro a porta, como se quisesse me enganar, me fazer pensar que está sempre acesa, e não está. Pego a garrafa de vodca, ponho mais um tanto no copo, tenho a impressão desagradável de que os objetos todos estão me olhando com ar de censura, aliás perfeitamente justificável, é claro que os objetos inanimados olham para nós com reprovação, a vida para eles só pode ser um escândalo, uma aberração, exatamente como a morte é um escândalo para nós que somos vivos. De uma colher ou uma toalha pode-se pedir tudo, menos compreensão, menos cumplicidade. Ponho mais uma pedra de gelo no copo, olho para o gelo, ele não me devolve o olhar, me ignora completamente, tem mais o que fazer, está se dissolvendo, virando água, como que eu posso querer que ele tenha alguma empatia comigo? E ainda por cima cai uma gota da torneira da pia, uma gota única e desconfiada, uma espécie de aviso. Saio da cozinha depressa. Volto à janela.
  Lá fora o casal está chegando às vias de fato, por assim dizer. O abraço é cada vez mais apertado, é como duas cobras enroscadas uma na outra, e os dois estão meio que balançando, meio que dançando sem sair do lugar, a coisa tem um certo ritmo, um ritmo insistente, lento, mas que vai acabar chegando lá, é claro que chega lá. Não dá para ver os rostos deles, assim como não dá para ver o rosto da mulher do prédio em frente, que voltou a aparecer na janela, com outro cigarro na mão. Amanhã essa mulher vai sair de casa, vai ter que sair de casa, nem que seja só para comprar cigarro, e vai passar bem no lugar onde aquele casal está neste momento, e a mulher não vai saber o que aconteceu ali na noite anterior, de onde ela está é impossível ver o casal, não dá ângulo, assim como o casal de onde está não pode ver a mulher. E o fato é que a mulher está sozinha no apartamento dela, enquanto aqueles dois, que estão precisando urgentemente de uma cama, só têm o espaço estreito entre o Chevette e o Fiat, e ainda por cima correm o risco de a qualquer momento, no melhor da coisa, serem interrompidos pelo dono do Chevette ou do Fiat indo embora da festa, porque mais cedo ou mais tarde as pessoas que estão na festa vão começar a ir embora, vão entrar nos carros, vão dar a partida, a calçada vai ficar vazia, o casal não pode ficar exposto no meio de uma calçada deserta, os carros garantem um mínimo de privacidade, sem um mínimo de privacidade não dá, ninguém é cachorro não, nem mesmo um ajudante de escritório que mora em Del Castilho e uma balconista das Lojas Americanas que mora numa vaga na Barata Ribeiro. De modo que a solução para eles é mesmo recorrer ao apartamento da mulher, quanto a isso não há dúvida, o problema é: como chegar lá? Preciso de mais vodca.
  Enquanto vou à cozinha buscar mais vodca, tento equacionar o problema. É bom, porque assim evito pensar na luz traiçoeira da geladeira, nos objetos cada vez mais hostis. Muito melhor pensar numa maneira do casal entrar no apartamento da mulher sozinha, o que seria até bem fácil se o homem conhecesse o porteiro, o que é perfeitamente possível porque é muito provável que ele próprio também seja porteiro, os dois são nordestinos, todos os porteiros são nordestinos, portanto todos os nordestinos são porteiros. A solidariedade dos porteiros nordestinos há de funcionar nessas horas, penso, enquanto saio da cozinha, tendo conseguido por vôdca e gelo no copo sem dar a menor atenção para os não-olhares ameaçadores das maçãs e das maçanetas. Mas uma vez dentro do prédio, como que o casal vai conseguir entrar no apartamento da mulher sozinha?
  Chego à janela, e a primeira coisa que vejo é que o casal sumiu. Sumiu! Isso é terrível, todos os meus planos vão por água abaixo, uma noite desperdiçada. Mas não, logo me vem à cabeça uma explicação favorável, altamente favorável, e bastante plausível, também: o casal pode perfeitamente já ter conseguido entrar no prédio graças à cumplicidade natural dos porteiros nordestinos, é isso, é claro que é isso, pronto, tudo resolvido. Mas aí percebo um outro fato novo, outra mudança ocorrida lá fora durante minha ida à cozinha, tudo acontece quando a gente não está olhando, se tivesse alguém olhando o tempo todo para tudo o que existe nada mudaria, o que aliás é uma prova cabal da inexistência de Deus, e um argumento contra a hipótese de que a luz da geladeira está acesa mesmo quando a porta da geladeira está fechada. Ou será a favor? Mas é preciso prestar atenção nos fatos, não nas hipóteses, e eu ia observando que o outro fato novo na rua é a presença de um rapaz tentando atravessar a rua. E agora estou mais animado ainda, mais até que antes, isso que estou sentindo deve ser a tal da felicidade, porque certamente o rapaz é uma solução, tudo está se encaixando nos devidos lugares, é preciso reequacionar todo o problema, agora não se trata mais de (a) uma mulher solitária num apartamento vazio, de um lado, e (b) um casal de nordestinos excitadíssimos, do outro, porém há um terceiro elemento, a saber: (c) um rapaz tentando atravessar a rua. A rua está vazia, não vem carro nenhum, mas assim mesmo o rapaz hesita, apoiado no poste, como se tivesse medo de cair, é claro que está bêbado, ou drogado, sim, a presença do rapaz simplifica muito as coisas. Porque o rapaz pode perfeitamente entrar no prédio da mulher sozinha, ele não é um porteiro nordestino, está drogado mas está bem vestido, pode muito bem ser amigo da mulher sozinha, ou namorado dela, e quanto a mulher for abrir a porta do apartamento para o rapaz, o casal que já está dentro do prédio pode entrar no apartamento junto com ele, o rapaz está drogado demais para opor resistência, e é óbvio que a mulher sozinha não pode fazer nada, ela é uma só e o casal são dois, o rapaz não conta, está completamente tonto, tão tonto que vai ser difícil ele atravessar a rua, mas é preciso que ele atravesse a rua depressa, o casal não pode esperar mais muito tempo, pode chegar o vizinho do apartamento ao lado e achar estranho aqueles dois ali, é claro que não são moradores, nem são empregados do condomínio, o vizinho pode ficar desconfiado: isso, o rapaz tem que atravessar a rua depressa, é importantíssimo, antes que o vizinho repare que o nordestino tem uma navalha na mão, ele está preparado para tudo, o homem prevenido vale por dois, o bom cabrito não berra. Finalmente o rapaz consegue sair do lugar, e eu mal consigo conter um berro, um grito de alívio, finalmente ele está atravessando a rua, ainda que devagar, vamos logo, o casal não pode esperar, o tempo não espera, o canivete do nordestino não pode esperar muito. O rapaz está parado no meio da rua, parece não saber para onde ir, a tensão é insuportável, saio da janela, me jogo no sofá, estou suando, suando mais que o copo na minha mão, preciso completar na minha cabeça aquela cena inacabada, que não consegui assistir até o fim, o rapaz entrando no prédio, o porteiro avisando a mulher, é o seu Fulano, ela dizendo que pode subir, sim, o rapaz andando até o elevador, chamando o elevador, o elevador chega, ele entra no elevador, o elevador começa a subir, são cinco andares, dois, três, quatro, cinco, ele salta, toca a campainha.
  A campainha toca. Aqui, no meu apartamento.
  Levanto de um salto, o copo na mão.
  Abro? Não, não abro. De jeito nenhum.
  A campainha toca de novo.
  Vou até a porta e abro.
   É só o rapaz drogado, querendo saber se é aqui a festa. Ele está tremendo. Eu também estou tremendo. Explico que a festa é no sétimo andar. Ele parece não entender a explicação. O olhar dele é vidrado. Ele é muito moço, quase um garoto, mas o olhar é de um homem velho, muito velho. Reptio que a festa é no sétimo andar. Agora ele entende. Pede desculpas. Agradece. Vai embora. Eu fecho a porta.
  O copo escorrega da minha mão e se espatifa, à toa, à toa.”

"O criminoso";
Texto de Paulo Henriques Britto, retirado de seu livro de contos "Paraísos Artificiais", da editora Companhia das Letras.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Love Song



So you think that it's over,
Say your love has finally reached the end.
Anytime you call, night or day
I'll be right there for you if you need a friend.
It's gonna take a little time,
Time's sure to mend your broken heart.
Don't you even worry, pretty darling
Cause I know you'll find love again.
Love is all around you,
Love is knocking outside the door
Waiting for you,
This is love made just for two.
Keep an open heart and you'll find love again,
I know.
Love is all around you,
Love is knocking outside the door
Waiting for you,
This is love made just for two.
Keep an open heart and you'll find love again,
I know.
It's all around...
Love will find a way,
Darling, love is gonna find a way,
Find its way back to you,
Love will find a way,
So look around,
Open your eyes,
Love is gonna find a way,
Love is gonna,
Love is gonna find a way,
Love will find a way,
Love's gonna find a way back to you,
I know.

Partes

Quebra eu
Quebra nós
Quebra parede
Quebra tudo que é ca be ça
Quebra multidão
( povo povo povo povo
 po vo po vo po vo po vo
  po po po po
  vo vo vo vo

   P  o vo)

Quebra barraco
Quebra cadeira
Quebra o banco, 29
  bota pra quebrar o que restar
          existe CONCRETO depois do resto?

curto e reto
   n
  ã
 o
.

Mas se existir,
Q
 U
E
 B
R
 A

Sai  q u e b
        r
         a
          d
           o
qu
 ebr
  ando

de volta pro

          chão


q  u  e  b  r  o  u







juntatudodenovo

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Sinestesia forçada a partir dos 9

Juro que, enquanto vejo fotos, sinto seu cheiro. Não pelo nariz, não sinto nada mais do que o ar entrando pelas narinas, mas no fundo de um canto escondido do cérebro, eu sinto seu cheiro. Talvez o cheiro da loção pra barba, a "espuminha". Juro que, enquanto isso acontece, consigo ouvir a sua voz em algum lugar da massa cinzenta, em algum lugar eu escuto você me chamando, embora não consiga lembrar exatamente como me chamava. Tento pensar na sua altura e imagino se já teria te alcançado, penso nisso baseada na altura de minha mãe. Acho que até consigo me lembrar das suas mãos, um pouco ásperas por causa de tanto trabalho, vai saber. Não consigo rever seus movimentos, mas acho que consigo imaginar como você andava, como movia os braços, como se mexia. Não consigo ver seus olhos, sempre fixos, sempre parados, culpa das fotos que não se mexem. Mas a nostalgia e a imaginação logo são substituídas pela raiva de não lembrar, porque não lembro, e não lembro. Mas isso abre portas pr'eu imaginar, então fico com o que me resta.

Os paraísos artificiais

  Você está sentado numa cadeira. Você está sentado nesta cadeira já faz bastante tempo. Você fica sentado nesta cadeira durante muito tempo, diariamente. Você não conseguiria ficar parado em pé por tanto tempo; logo você ficaria cansado, com dor nas pernas. Também não conseguiria permanecer tanto tempo assim deitado na cama, de cara para o teto; essa posição se tornaria cada vez mais incômoda com o passar do tempo, até fazê-lo virar-se para um lado — por exemplo, para o lado esquerdo; mas depois de alguns minutos de bem-estar, seu corpo seria dominado pouco a pouco por uma sensação de desconforto que gradualmente se transformaria numa idéia, de início vaga, depois mais nítida, mais e mais, até cristalizar-se nas palavras: "Esta posição é a menos confortável que há", e essas palavras em pouco tempo levariam a estas: "A posição mais confortável de todas seria ficar virado para a direita". A idéia aos poucos se tornaria mais forte, até sobrepujar a inércia natural do corpo, e nesse momento você se viraria para o lado direito. Imediatamente uma sensação deliciosa de prazer lhe invadiria o corpo, como se cada célula sua fosse uma boca a proclamar: "Esta é verdadeiramente a mais confortável de todas as posições". A nova sensação, porém, não perduraria muito tempo; logo você seria obrigado a trocar de posição mais uma vez, e todo o ciclo recomeçaria.
   Mas quando você está sentado, sentado nesta cadeira, nada disso acontece. Você é capaz de ficar sentado nela horas a fio, os olhos fixos na parede em branco, sem pensar em nada, sem sentir nada além da sensação de ter um corpo, de estar ali, sentado, olhando para uma parede em branco, intensamente acordado. Você consegue ficar sentado assim nesta cadeira por muito tempo sem nem mesmo trocar de posição; e quando você se cansa da posição em que está, basta mudar ligeiramente as posições relativas das pernas e dos pés — por exemplo, colocar o pé direito em cima do esquerdo se antes o esquerdo estava em cima do direito — e logo você restabelece o conforto com um mínimo de esforço, sem ter que reestrutrar a posição geral do corpo, como aconteceria se estivesse deitado. É bem verdade que tais trocas de posição não proporcionam a sensação quase orgástica que você experimenta quando, deitado na cama, depois de passar muito tempo voltado para um lado, cada célula de seu corpo é como uma boca clamando: "A melhor posição seria estar virado para o outro lado", e você finalmente se vira; na cadeira, tudo o que acontece é uma leve sensação de desconforto ser substituída por uma leve sensação de conforto. Porém tudo é uma questão de escolha, e entre, de um lado, uma situação em que breves períodos de intenso prazer se alternam com longos períodos de conflito entre inércia e desconforto crescente, e, de outro, uma situação em que perdura uma sensação mais ou menos constante de bem-estar, sem grandes variações, você prefere a segunda. É um direito seu; o corpo é seu.
   Mas esta escolha acarreta certos problemas. Ao contrário da situação da cama, que pelo menos promete o sono, a perda da consciência, o esquecimento de tudo isso que tanto incomoda você, a da cadeira não guarda promessa alguma: é necessário tentar perpetuá-la, fazê-la durar o máximo de tempo possível; porém chega uma hora em que suas pernas começam a sentir-se desconfortáveis em todas as posições possíveis — que, afinal de contas, não são tantas assim —, e mais cedo ou mais tarde você é obrigado a levantar-se, tão desperto quanto antes. E este prolongamento da vigília tem seus perigos. Pois ao levantar-se da cadeira você se dá conta de que a porção de espaço que você ocupou durante tanto tempo, sentado na cadeira, está agora impregnada da presença física do seu corpo; ou seja, ela guarda agora alguns vestígios de substancialidade que seu corpo deixou ali. Cada vez que você voltar a passar pelo trecho do quarto onde estava a cadeira, durante o momento exato em que permaneceu por tanto tempo, você vai sentir uma intensificação súbita da sua existência, de seu próprio corpo — a sensação física de recapturar um pedaço de você que já não lhe pertence. Naturalmente, nada impede que você recoloque a cadeira no mesmo lugar de antes, se sente nela e permaneça ali por quanto tempo quiser, ou conseguir, e durante todo esse tempo goze a sensação de estar na posse da sua materialidade perdida. Mas essa sensação é ilusória, pois esses vestígios não fazem mais parte de você: só podem ser ocupados provisoriamente, como uma roupa que se veste. Assim que se cansar desse jogo e se levantar da cadeira, você vai voltar a perdê-los: mais ainda, vai perder também uma pequena porção adicional de sua matéria, mais vestígios seus que vão ficar no ar, superpostos aos anteriores. Esses vestígios mais cedo ou mais tarde vão se dispersar, com o movimento constante de corpos no quarto, e se perder para sempre. Assim, você está constantemente largando camadas sucessivas de seu ser, desintegrando-se a cada instante de sua existência no espaço; e é por isso que você não é eterno, pelo mesmo motivo que um lápis ou uma borracha não podem ser eternos.
  Mas há uma maneira simples de alterar essa situação — quer dizer, não alterá-la objetivamente, o que seria impossível, e sim modificar o modo como você a vivencia (e como você só sabe das situações o que vivencia delas, para todos os fins práticos modificar sua percepção de uma situação é a mesma coisa que modificar a situação em si): basta sentar-se na cadeira, pegar um lápis e uma folha de papel, e começar a escrever.


"Os paraísos artificiais";
Texto de Paulo Henriques Britto, retirado do seu livro de contos "Paraísos Artificiais", da editora Companhia das Letras.

domingo, 6 de setembro de 2009

Crônica da Casa Assassinada (VI)

“  15 — Era evidente que eu não a esperava mais, julgando que ela tinha esquecido sua promessa. Esquecera, não havia dúvida possível, repetia eu comigo mesmo, uma, duas, inúmeras vezes, e aquilo, à força de ser repetido e mastigado como uma humilhação que não se deseja esquecer, tornava-me pálido de raiva. Ah, ela havia-me enganado, escarnecera da minha esperança, dos meus sentimentos, da minha amizade, de tudo enfim — e o mais doloroso é que não havia necessidade daquilo. (...) Agora era impossível não reconhecer que ela me tratava simplesmente como uma criança. Seu próprio movimento, que antes me parecera revelador de tão inequívoca simpatia, desnudava-se aos meus olhos como um gesto vulgar e sem intenção. (No entanto, era fácil constatar que ela transfigurava tudo, desde uma simples risada até ao olhar mais distante e fugidio....) Esse gesto, quantas vezes eu o revivera em pensamento, o coração batendo como o de um colegial! As horas deslizavam, eu permanecia sentado em minha cama, olhos abertos na obscuridade. (...) Que são os fatos de que nos lembramos, senão a consciência de uma fugitiva luz pairando oculta sobre a verdade das coisas?”

Diário de André (II);
Crônica da Casa Assassinada - Lúcio Cardoso.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Crônica da Casa Assassinada (V)

“  (...) Vivia bem até o momento em que compreendi que me achava sufocada, em trevas, e essas trevas, que não me pesavam antes, agora me causam uma insuportável sensação de envenenamento. Sem ar, é como se me debatesse dentro de um elemento viscoso e mole; no fundo do meu espírito, uma força tenta em vão romper a camada habitual, revelar-se, impor a sua potência que eu desconheço e não sei de onde vem. Repito, ignoro o que esteja se passando comigo — surda, causticada, vagueio entre as pessoas sem coragem para expor o que se passa no meu íntimo, mas suficientemente lúcida para ter certeza de que um monstro existe dentro de mim, um ser fremente, apressado, que acabará por me engolir um dia. Ah, que voz é esta que rompe meus lábios, que é isto que me faz andar de cabeça erguida, que me atira para a frente, como um ser ferido pelo aguilhão? (...) Várias vezes o vi seguir-me com expressão inquieta, e talvez devesse me ter detido, procurando expor o transe em que me debato. Mas Padre, a danação é um fogo que arde solitário; às vezes ardemos um, ardemos dois, ardemos toda uma comunidade, mas isolados em nossa chama particular, donos únicos daquilo a que poderíamos chamar o nosso malefício e o nosso ultraje. (...) Sei que iniciei esta confissão como uma carta destinada a sobreviver à minha morte; creio no entanto que este é o último, o mais desesperado dos esforços para reencontrar a mim mesma, e ser, apagada e fria, não feliz como poderia desejar, mas indiferente, como sempre o fui. (...) A Esperança é a mais vital das virtudes teologais: sem ela tudo se cresta, e não há que exista sem o seu apoio, nem caridade que nos aqueça o coração sem sua constante assistência.”

Segunda confissão de Ana;
Crônica da Casa Assassinada - Lúcio Cardoso.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Crônica da Casa Assassinada (IV)

“  — Venha cá, Betty. Você se lembra de Padre Justino? Quando minha mãe era viva, ele vinha à Chácara com freqüência.
  — Lembro-me perfeitamente, Sr. Timóteo — e admirei-me que tivesse mudado tão bruscamente de tom, e que, deixando o ar frívolo e zombeteiro, voltasse a adquirir o aspecto grave e reservado que eu habitualmente lhe conhecia.
  — Padre Justino — continuou ele — costumava às vezes dizer umas verdades. Nada de muito sério, que padre da roça não sabe coisa alguma. Assim mesmo, um dia...
  Hesitou um minuto, como se procurasse no pensamento a expressão exata, e concluiu:
  — Um dia, no jardim, disse-me que o pecado é quase sempre uma coisa ínfima, um grão de areia, um nada - mas que pode destruir a alma inteira. Ah, Betty, a alma é uma coisa forte, uma força que não se vê, indestrutível. Se uma minúscula parcela de pecado - um nada, um sonho, um desejo mau - pode destruí-la, que não fará uma dose maciça de veneno, uma culpa instilada gota a gota no coração que se quer destruir?”


Diário de Betty (II);
Crônica da Casa Assassinada - Lúcio Cardoso.

domingo, 30 de agosto de 2009

Crônica da Casa Assassinada (III)

“ — Então? A verdade não se inventa, nem se serve de maneira diferente, nem pode ser substituída - é a verdade. Pode ser grotesca, absurda, mortal, mas é a verdade. Talvez você não entenda, Betty, e no entanto aí é que se encontra o ponto central de todas as coisas.
 Calou-se mais uma vez, enquanto ofegava junto de mim. Em seguida, como se reavivasse recordações antigas, fatos possivelmente dolorosos, prosseguiu numa tonalidade em que era fácil adivinhar uma insinuante nostalgia:
 — Como um homem - ou melhor, uma sombra de homem - nada me despertava paixão. Era como se eu não existisse. Que é este mundo sem paixão, Betty? É preciso nos concentrarmos, é preciso retirar de tudo sua dose máxima de interesse e de veemência. E se nada me habita, se sou apenas um fantasma dos outros...
 Não, não havia dúvida de que eu já não acompanhava seu raciocínio, um tanto atordoada com aquelas expressões vagas. Via apenas o cintilar das lantejoulas, acompanhando o ritmo da emoção que lhe alteava o peito. E ele devia ter percebido minha distração, pois colocou uma das mãos sobre meu ombro:
 — Enquanto que agora — e sua voz se iluminou — meu espírito livre se apodera das coisas. Amo e padeço como qualquer um, odeio, divirto-me, e, boa ou má, sou uma verdade estabelecida entre os outros, e não uma fantasia. Você me compreende agora, Betty, você me compreende? (...) Não, não compreende. Aliás, ninguém compreende. A verdade é uma ciência solitária.”


Diário de Betty (I);
Crônica da Casa Assassinada - Lúcio Cardoso.

sábado, 29 de agosto de 2009

De gota em gota (II)

De gota em gota,
criando uma chuva,
uma tempestade,
uma enxurrada,
uma enchente,
uma catástrofe bíblica sem nenhum Noé,

acabei seca.















(Añañucas amarelas)

Mas não é que nasce flor até mesmo no deserto?

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

De gota em gota

De gota em gota,
criando uma chuva,
uma tempestade,
uma enxurrada,
uma enchente,
uma catástrofe bíblica sem nenhum Noé,


acabei seca.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Ao amigo

Não era a minha intenção te entregar isso escrito, assim, porque na verdade eu queria mesmo era te falar isso tudo. Frente a frente. Mas agora não dá. Não dá porque o relógio marca 1h10 da madrugada de uma quarta-feira, e eu não posso te ligar em casa porque sabe lá Deus o que sua família vai pensar, e você não está com celular porque você me faz o favor de perdê-lo, e obviamente eu não posso ir pra sua casa porque agora o relógio marca 1h11 de uma madrugada de quarta-feira e nem sei se está acordado. De qualquer forma, eis.

Eu tive um dia de cão e as vezes que pedi pra morrer foram muitas já, perdi a conta. E meu estômago andou estranho o dia inteiro, e só agora quando vou dormir que eu finalmente levei o soco que ele estava esperando. Não levantei com o pé esquerdo; tomei a mania detestável de colocar o pé direito no chão sempre que acordo, e isso me rende uma dor no músculo da coxa que eu não entendo, e já era hora d'eu mudar esse hábito, mas você bem sabe como eu sou apegada ao que não me faz tão bem. Quando achei que ia passar o dia sem chorar, acabei cedendo e chorei a noite inteira, do jeito que você sabe que eu sempre faço porque eu sou fraca, e isso é a mais pura verdade. Sabemos. De qualquer forma, o dia foi difícil e só agora me rendi ao descanso. E, justamente, só agora que pude pensar em você.

Quero que saiba que do fundo do meu coração - e do meu estômago, que agora tem vida própria - eu te amo mesmo, por mais que não pareça, por mais que eu suma de vez em quando e por mais que eu pegue no seu pé sempre. Quero que saiba que eu te desejo uma felicidade enorme, sem tamanho até, de tão grande que eu quero que seja. Porque você merece. You're my better half, tá? E eu sei que eu sou uma bobona sensível, que o meu sentimentalismo barato é exarcebado e que eu sou mais bicha do que é aceitável, mas eu sei que às vezes você acha isso meigo e adorável, então você me entende e me respeita. Gosto disso. Gosto de você. Gosto quando estou mal e te vejo e posso te abraçar no meio do corredor e esconder meu rosto no seu ombro pra poder chorar em paz. Gosto quando você me deixa rabiscar o seu corpo, porque sabe que sou criança e que vejo graça nesse tipo de coisa. Gosto quando você me acompanha em músicas, em risos e em pensamentos. Gosto da sua companhia. Gosto de saber que você é único. Gosto até do seu novo cabelo (e vou comprar xampu de camomila assim que der). Gosto do seu novo amor. Gosto de saber que você tem coração (ha!) e não é só um robô. Gosto de trocar segredos e confidências, e gosto de saber que você não me julga porque somos iguais. Gosto de saber que você me aceita, do jeito que eu sou, esse troço. E mais ainda, gosto de pensar em você quando o meu dia tá uma merda e eu sei que não tem mais ninguém do meu lado, que eu estou sozinha.

Você sabe que eu já estou chorando e que, se pudesse, estaria agarrada à uma garrafa de cerveja. E que provavelmente estaria reclamando. E que, logo depois, eu ia começar a chorar mais, até que eu ia começar a rir de desespero e o desespero iria embora com a cerveja, e de repente eu ia me sentir melancólica e ia voltar a rir, e depois eu esqueceria tudo e voltaria a rir e cantar trechos de músicas da Madonna ou de qualquer cantora pop realmente boa. E que depois eu, como todo bom bêbado, te abraçaria e diria que eu te amo e que não quero te perder, porque você é um hell of a guy e eu tenho sorte por ter te conhecido. E depois eu iria gritar "TEQUILA!", porque esse é o tipo de coisa que eu grito numa situação dessas. Ou "MEDICINA PORRA!". Mais provável o primeiro, agora.

Mas eu não estou bêbada, só chorosa, e tudo que digo é verdade - mesmo que a cerveja me fizesse agradável companhia agora. Não sei como terminar, falta palavra (meus dedos correm pelo teclado e já não me lembro mais como comecei essa carta) e sobra choro. Desses meus que você tá habituado, quando eu seguro o choro (por medo, talvez?) e fico parecendo um filhotinho abandonado, acuado.

Sei lá. Sei que te amo. E quero te dar um abraço e dançar Love Profusion com você, porque são coisas imbecis assim que me fazem feliz e me fazem bem.

"You're my Cristina Yang. And I'm your Meredith Grey".

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Crônica da Casa Assassinada (II)

"(...) Apesar de tudo, é necessário que alguém, ainda que este alguém seja eu, ponha-o em guarda contra sua própria credulidade. Morremos quase sempre da crueldade ignorada dos seres que nos cercam. Ah, se eu conseguisse trazer à sua memória a lembrança de alguns fatos... de algumas situações antigas... os primeiros tempos... a vida no Pavilhão. Aquele dia, Valdo, na escada cheia de folhas mortas, quando você me abraçou, dizendo: "Nunca, Nina, nunca nos separaremos neste mundo!" E nos separamos, cada dia que se passa achamo-nos mais distantes um do outro. Naquele momento, porém, parecia ser verdade, o ar estava impregnado de jasmim, e todo o mundo vegetal que nos cercava como que aludia à nossa causa, e jurava pela sua viva permanência. Mas que sortilégio pôde ter surgido, como tudo se transformou assim de repente? Que me aconteceu, que aconteceu ao nosso amor? Então não há nada certo, geramos apenas o esquecimento e a distância? As palavras, meu Deus, não significam coisa alguma, não têm poder para selar nenhum juramento? Quem somos nós que assim passamos como espuma, e nada deixamos do que construímos, senão um punhado de cinza e de sombra? Debato-me, o coração me vem aos lábios: que é válido, que é invulnerável à fúria do tempo, qual o sentimento que não se esgota e não se ultraja?

Repiso em vão essas teclas todas. Sinto-o mudo, difícil, o olhar desviado para longe. O longe é a imagem do nosso cansaço. Ali, onde nunca entrará nenhum vislumbre da minha pessoa, nem a projeção de um gesto meu, nem o eco de nenhuma das minhas palavras, ali você se refugiará com a sua certeza, e cavará minha sepultura com mãos desfiguradas e sem alma. Estou definitivamente morta para você, uma lápide imensa, sem forma, nos afasta para sempre um do outro. Ah, e isto é o que me abala e me consome. Imaginá-lo assim distanciado, sem um olhar de piedade para aquilo que nos constituiu. Imaginá-lo no seu silêncio, completamente esquecido do que me jurou e prometeu, e me sentir como se eu fosse apenas um nome, soprado há muito na vastidão de um jardim que não existe mais. Um nome, como uma pétala que cai (...)."

Primeira carta de Nina a Valdo Meneses;
Crônica da Casa Assassinada - Lúcio Cardoso

terça-feira, 21 de julho de 2009

Brilho

E ela não sabia que seu olhar guardava um brilho, desses que a gente só percebe que tem quando olha no olho do outro e encontra aquilo, aquilo que ninguém sabe o que é, talvez um holofote de felicidade, talvez uma nebulosa desconhecida, talvez as luzes do Natal mais belo, mas a verdade é que o seu olhar guardava um brilho que piscava e piscava sem se apagar.

A verdade é que ela caía num abismo feito (e cheio) de luz.



(trecho)

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Crônica da Casa Assassinada

"(...) Bem se via que a morte não era uma brincadeira, que o ser estabelecido originalmente, e toscamente modelado em barro pelas mãos de Deus, ali irrompia de todos os disfarces, para se instalar onipotente em sua essência mais verídica. Bem se via também que tudo se achava definitivamente dito entre nós. Inúteis as palavras que haviam sobrado, os afagos que não haviam sido feitos, as flores com que ainda pudéssemos adorná-la. Libertada, repousava em sua pureza final. Ah, e inútil também tudo o que não fosse fúria e submissão. Sem resposta, como se nós, criaturas, nada mais merecêssemos senão o luto e a injustiça, tudo terminava ali. E o que existira não passara de um sonho, de uma magnífica e passageira ilusão dos meus sentidos. Nada conseguiria mais romper o duro peso que se acumulava sobre meu coração, e diante daquela ruína, já tocada pela corrupção, eu custava a reconhecer aquela que fora o objeto do meu amor, e nenhuma lágrima, nem mesmo de piedade, subia-me aos olhos.

Tão sem pressa quanto suspendera a ponta do lençol, inclinei-me e beijei o rosto daquela mulher - como já o fizera tantas e tantas vezes - mas sentindo que desta vez era inútil, e que eu já não a conhecia mais."

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Continuo esperando


66 anos hoje, 10 anos amanhã.
Eu amo você.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

G

Se a Paula falasse comigo, diria que é quente, macio e intenso,



mas não é só ela que pensa assim

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Vem

Vem,

que aqui dentro há um coração que espera,
que o meu abraço é quente sim,
que a ansiedade me embrulha o estômago,
que tem amor e alegria sobrando por aqui,
que tem aconchego até dizer chega (eu chego),
que tem até paz pra dormir,
que a minha voz vai ser calma pra não te acordar,
e que quando você quiser sair eu te dou um sorriso e um afago
pra te levar bem aonde quer que você queira ir,
que aqui cabe tudo...
...os seus medos, os seus lamentos e a infinidade de coisas que você não sabe,
que tem muita coisa ainda pra você aprender,
que eu vou ficar esperando com um cobertor e um beijo estalado,
que o tempo vai mas também vem,

mas vem.

sábado, 4 de julho de 2009

Reciclagem

Meus cortes são conta-gotas e o meu sangue pode não ser nobre,
Minhas lágrimas são rios e estão sujas de cores mil,
Meu sorriso vai bem tímido só que eu juro que é sincero,
Mas o que fica do meu sangue,
das minhas lágrimas
e do meu sorriso

Já nem sei mais

Pra que desperdiçar?

Vai

I'm leaving
I'm leaving
Look at me
Oh just look at me
Do you see
I'm leaving
Yes I'm leaving
I told you I was leaving
I am leaving
You
My clothes
My hopes
My dreams
Everything that seems
...that I'm still here
But I'm leaving
Yes I'm leaving
I'm leaving
I'm leaving

And now I left

I'm living

domingo, 28 de junho de 2009

Ligação

— Oi, sou eu, eu sei que a carona já está saindo e sei que não quer falar comigo agora, mas você precisa me ouvir antes de ir embora de uma vez, ou não, porque nunca dá pra saber se você está indo pra valer, você sempre parece ir e depois volta e eu me acho sem chão, mas o que eu quero dizer de verdade é que, sim, é claro que eu me acho sem chão, me acho sem chão quando você vai porque você não está mais aqui, e me acho sem chão quando você volta porque a dor ainda existe e eu não sei como sentir mais, e aí eu me sinto sem chão e parece que eu vou cair e cair e cair e você não vai estar lá pra me pegar, mas o que eu quero dizer mesmo é que você está indo pra cidade da sua mãe ver a sua família e diz que não sabe quando volta, mas eu espero que volte logo e volte decidida, eu espero que essa viagem acabe clareando um pouco mais a sua existência, esse seu cérebro engenhoso e brilhante e pensador e pensativo, porque você tem que ver se é assim mesmo, sim, eu sei que o cérebro é interessantíssimo, mas você precisa entender que há coisas além, há coisas muito mais além do que pensar e do que sentir, como quando o vento bate no seu cabelo e aquela mecha teimosa levanta, e que você vira rindo meio bravinha, porque te incomoda apesar de ser bom, e é assim que somos, você me incomoda apesar de ser boa, não, não boa nesse sentido, boa no sentido normal de ser, sabe, de ser boa, você é boa, uma ótima garota e meu coração bate por você como o tambor do Olodum numa festa no meio do Pelourinho, e oi?, não, é claro que não gosto do Olodum, de onde você tirou essa idéia?, o que eu quero dizer é que, sim, é óbvio que eu gosto do seu coração batendo, quando estamos nus e eu posso colocar minha cabeça no seu peito e lá eu descanso e escuto o seu coração, você sabe que adoro, e ah, esquece o Olodum, o que importa é que você é linda e me conquista toda vez que sorri, porque eu adoro como as suas bochechas se levantam quando você vai abrindo os lábios pro canto, e aquela mono-covinha que aparece, e você me conquista quando me pede pra não distanciar, e eu juro, juro mesmo que não quero te abandonar quando você me aperta e pede pra não te deixar mais, pra não te soltar, pra não desgrudar meu corpo do seu, e quê?, é claro, pára de rir esse riso safado, agora não é hora, o que eu quero dizer, não, você não é safada, tudo bem que é um pouquinho, mas é do jeito que eu gosto, e, me deixa falar, olha o que eu quero dizer, bem te dizer que você é irresistível e eu te amo de todas as formas e de todos os jeitos e você é minha grande amiga, minha melhor amiga, mas não dá, você não tem compromisso, você é meio doidinha sim, e eu sei que a sua vida é apertada e corrida e sei como é difícil, oi?, sim eu já estou terminando, o cara espera, me espera acabar, entenda de uma vez por todas que eu te amo mesmo, mas desse jeito não dá, eu não sei se você me ama e eu sei que isso é um pau no cu de tão chato, mas me ouve, me ouve menina linda, eu te quero mais perto e você vai, você sempre vai, e eu nao sei se quero mais isso, me entende?, não sei se quero mais porque não basta só isso pra mim, eu quero sempre mais do que você pode me dar, e as suas aparições repentinas, oi?, não eu não disse que você dá à toa, presta atenção, as suas aparições repentinas quando você bem quer, isso não me faz bem, eu não quero isso, na verdade eu quero você por inteiro sabendo se dividir, e você não consegue, é, daquele jeito que você me pediu daquela vez, lembrou?, mas olha, olha, me ouve, pára com isso e presta atenção, é minha vez de falar porque você sempre está falando, no jantar e no metrô e de manhã e durante o banho, a verdade é que não sei, ok, eu não sei!, não sei se é isso mesmo, não sei nem mais se é amor, e se quer saber você me faz mal, um mal enorme, e você me machuca e depois pinta meu coração como se ele fosse uma folha que você desenha e depois rasga e depois desenha de novo, pois meu coração está cansado disso, eu estou cansado, não, escuta você, escuta você!, oi?, é claro que eu te amo, mas um pouquinho menos do que eu te amava antes, e, sim, estou ouvindo, fale - sim - eu - eu sei, eu sei - é claro que não, como você pode - olha, você não sabe, não faz a menor idéia, e justamente por isso, justamente por isso, e não sei, como eu vou saber o que você quer se você não fala?, fica falando e falando e falando e não fala, minha filha você tem que cagar ou sair da moita, esse chove-não-molha me irrita e quê?, não, você esqueceu mesmo o guarda-chuva, esquece, compra outro lá na cidade, o que eu quero - oi - sim - o que eu quero dizer é que - sim - sim - sim - eu sei - é, ma - ma - sim, mas - sim - tudo bem, eu vou estar te esperando quando você voltar, eu sempre estou te esperando, e claro, eu troco SMS com você durante a viagem, e corre senão você perde a carona, e oi?, sim, eu sei, eu sempre soube, mas você sabe como é, e ham?, uhum, uhum, claro, hahaha sua boba, pára de pensar nisso, e é lógico que não, lógico que não, você sabe que nunca, e ah, eu vou te esperar, mas volta logo que eu já tô até sentindo saudade da sua voz falando e falando, eu sei que eu sou doido, mas você sabe que eu te amo e

(tu tu tu tu)

domingo, 21 de junho de 2009

Você já pensou o mesmo


Afinal de contas, ninguém é perfeito!
Desenho feito por Tomás Amaral. Achei excelente.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Prontocabou

Ela usava aquela mesma saia de quando se conheceram, cheia de flores coloridas e desenhadas, que ele tanto gostava. Ela não gostava muito porque se sentia um jardim desenhado por uma criança, e quando disse isso a ele, ele respondeu que ela era o jardim mais lindo que ele já tinha visitado - daquele jeito risonho antipático, horrível, tão doce. A blusa não era a mesma, optou por usar uma preta, simples assim, porque o que ela ia fazer era desse jeito mesmo, simples assim, pronto acabou. O esmalte das unhas estava desgastado, era verdade; perdera tanto tempo roendo e arrancando o esmalte vermelho que, quando viu, já era hora de sair e não tinha acetona em casa. O cabelo tinha mudado de lado, porque mulher é assim, muda o cabelo quando muda de vida, ou não, vai saber. Ele demorava, como sempre, e ela esperava ansiosa como sempre, porque o cabelo mudou e a vida também, ou não, mas eles continuavam os mesmos. E talvez fosse isso que tornava a coisa toda tão detestável: por serem os mesmos e terem mudado ao mesmo tempo, ou por não terem mudado mas não serem mais quem são. Não era simples como uma blusa preta.

Então ele chegou, andando sempre daquele jeito "não estou nem aí pra nada", mas isso não era verdade. Ele estava aí para ela, ele estava aí para a roupa que ela usava, e ele estava aí pra reparar que ela não tirou o esmalte desgastado - um erro, um vacilo, porque ele a conhecia bem e sabia que ela faria de tudo pra esconder qualquer demonstração de ansiedade e/ou de preocupação. "Falhou", ele pensou. Andava como se fosse o dono da calçada, e no entanto não pisava tão firme, talvez porque ela sempre enfeitou o cara como se ele fosse um deus caminhando pelas nuvens, e era assim que ele se sentia - não um deus, mas sim alguém que só pisava em nuvens brancas e gordinhas quando estava com ela. Era ela, a garota dos sonhos dele, escondida numa saia de flores, num esmalte vermelho, num cabelo partido para o outro lado ("Ela acha que mudou, mas não mudou nada"), parada como se não se importasse em esperar, mas odiando-o por deixá-la esperando.

Os dois se olharam, se encararam por uns segundos, e nisso pesou aquele clima de novela sensacionalista e mexicana: como deveriam se cumprimentar? Ela podia correr pros braços dele? Ele podia abraçá-la pela cintura? Eles trocariam um beijo apaixonado e jurariam continuar juntos? Ela colocaria o cabelo dele para trás da orelha e alisaria seu queixo? Ele deveria sussurrar as boas e velhas promessas no ouvido dela? O que um deveria falar para o outro? Deveriam dizer todas as sensações pelas quais passavam agora? Todos os pensamentos loucos, insanos, desesperados, que fluiam nas mentes de cada um? Todas as vontades, tantas!, muito mais do que todas as descrições desse texto? E por que não faziam nada? Por que não quebravam esse suspense, por que não terminavam logo com isso, já que a situação era uma blusa preta no meio de uma loja de roupas floridas nas nuvens?

- Pronto. Acabou.

Então os dois foram embora e nunca mais se viram.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Livro livre livro

Tenho muitos livros
E neles me encontro
Neles me liberto
Neles eu me leio.
No meu livro de lírios
Eu leio o reencontro.
Eu releio o meu livro,
Livre, livro eu leio
Meu livro, livre encontro
Dentro dos meus lírios.
No meu livro eu me livro
Eu não me firo, eu só leio.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Dúvida sobre sono

Meia-noite.
Ding.
E meia.
Dong.
Uma.
Ding.
E meia.
Dong.
Duas.
Ding.
E meia.
Dong.
Três.
Ding.
E uns quebrados.

Como é que eu vou dormir com a sua voz na minha cabeça?

(os ponteiros do meu relógio não fazem mais sentido.)
Dong.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Renato Limão, parte 2

.
IN-SÔNIA
É que toda vez que acordo
Com uma mulher que não amo
       Não amanheço.

Renato_limao@yahoo.com.br

Renato Limão, parte 1

.
Pra quem chega

Não há nada aqui
Basta vasculhar insônias
Vejo que chega como quem procura
Mas não há nada aqui.
Talvez dentro do teu caminho
Da possível frustração de não encontrar
Exista mais que aqui, neste lugar.

Não há nada aqui.

Renato_limao@yahoo.com.br

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Tem

Tem uma gota minha naquele oceano
Tem uma imensidão no meu grão de areia.
Tem algo morno no vento que me refresca
Tem uma árvore que cresce no meio do deserto.
Tem um cachorro perdido do meu lado
Tem um mendigo amável no fim da rua.
Tem uma janela de cortinas rosas no meu quarto
Tem areia molhada,
Tem folhas voando,
Tem um mendigo brincando com um cachorro
Tem alguém que me observa de outra janela.
Tem retinas nos meus olhos
Tem um mundo no meu coração.