segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Crônica da Casa Assassinada (IV)

“  — Venha cá, Betty. Você se lembra de Padre Justino? Quando minha mãe era viva, ele vinha à Chácara com freqüência.
  — Lembro-me perfeitamente, Sr. Timóteo — e admirei-me que tivesse mudado tão bruscamente de tom, e que, deixando o ar frívolo e zombeteiro, voltasse a adquirir o aspecto grave e reservado que eu habitualmente lhe conhecia.
  — Padre Justino — continuou ele — costumava às vezes dizer umas verdades. Nada de muito sério, que padre da roça não sabe coisa alguma. Assim mesmo, um dia...
  Hesitou um minuto, como se procurasse no pensamento a expressão exata, e concluiu:
  — Um dia, no jardim, disse-me que o pecado é quase sempre uma coisa ínfima, um grão de areia, um nada - mas que pode destruir a alma inteira. Ah, Betty, a alma é uma coisa forte, uma força que não se vê, indestrutível. Se uma minúscula parcela de pecado - um nada, um sonho, um desejo mau - pode destruí-la, que não fará uma dose maciça de veneno, uma culpa instilada gota a gota no coração que se quer destruir?”


Diário de Betty (II);
Crônica da Casa Assassinada - Lúcio Cardoso.

domingo, 30 de agosto de 2009

Crônica da Casa Assassinada (III)

“ — Então? A verdade não se inventa, nem se serve de maneira diferente, nem pode ser substituída - é a verdade. Pode ser grotesca, absurda, mortal, mas é a verdade. Talvez você não entenda, Betty, e no entanto aí é que se encontra o ponto central de todas as coisas.
 Calou-se mais uma vez, enquanto ofegava junto de mim. Em seguida, como se reavivasse recordações antigas, fatos possivelmente dolorosos, prosseguiu numa tonalidade em que era fácil adivinhar uma insinuante nostalgia:
 — Como um homem - ou melhor, uma sombra de homem - nada me despertava paixão. Era como se eu não existisse. Que é este mundo sem paixão, Betty? É preciso nos concentrarmos, é preciso retirar de tudo sua dose máxima de interesse e de veemência. E se nada me habita, se sou apenas um fantasma dos outros...
 Não, não havia dúvida de que eu já não acompanhava seu raciocínio, um tanto atordoada com aquelas expressões vagas. Via apenas o cintilar das lantejoulas, acompanhando o ritmo da emoção que lhe alteava o peito. E ele devia ter percebido minha distração, pois colocou uma das mãos sobre meu ombro:
 — Enquanto que agora — e sua voz se iluminou — meu espírito livre se apodera das coisas. Amo e padeço como qualquer um, odeio, divirto-me, e, boa ou má, sou uma verdade estabelecida entre os outros, e não uma fantasia. Você me compreende agora, Betty, você me compreende? (...) Não, não compreende. Aliás, ninguém compreende. A verdade é uma ciência solitária.”


Diário de Betty (I);
Crônica da Casa Assassinada - Lúcio Cardoso.

sábado, 29 de agosto de 2009

De gota em gota (II)

De gota em gota,
criando uma chuva,
uma tempestade,
uma enxurrada,
uma enchente,
uma catástrofe bíblica sem nenhum Noé,

acabei seca.















(Añañucas amarelas)

Mas não é que nasce flor até mesmo no deserto?

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

De gota em gota

De gota em gota,
criando uma chuva,
uma tempestade,
uma enxurrada,
uma enchente,
uma catástrofe bíblica sem nenhum Noé,


acabei seca.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Ao amigo

Não era a minha intenção te entregar isso escrito, assim, porque na verdade eu queria mesmo era te falar isso tudo. Frente a frente. Mas agora não dá. Não dá porque o relógio marca 1h10 da madrugada de uma quarta-feira, e eu não posso te ligar em casa porque sabe lá Deus o que sua família vai pensar, e você não está com celular porque você me faz o favor de perdê-lo, e obviamente eu não posso ir pra sua casa porque agora o relógio marca 1h11 de uma madrugada de quarta-feira e nem sei se está acordado. De qualquer forma, eis.

Eu tive um dia de cão e as vezes que pedi pra morrer foram muitas já, perdi a conta. E meu estômago andou estranho o dia inteiro, e só agora quando vou dormir que eu finalmente levei o soco que ele estava esperando. Não levantei com o pé esquerdo; tomei a mania detestável de colocar o pé direito no chão sempre que acordo, e isso me rende uma dor no músculo da coxa que eu não entendo, e já era hora d'eu mudar esse hábito, mas você bem sabe como eu sou apegada ao que não me faz tão bem. Quando achei que ia passar o dia sem chorar, acabei cedendo e chorei a noite inteira, do jeito que você sabe que eu sempre faço porque eu sou fraca, e isso é a mais pura verdade. Sabemos. De qualquer forma, o dia foi difícil e só agora me rendi ao descanso. E, justamente, só agora que pude pensar em você.

Quero que saiba que do fundo do meu coração - e do meu estômago, que agora tem vida própria - eu te amo mesmo, por mais que não pareça, por mais que eu suma de vez em quando e por mais que eu pegue no seu pé sempre. Quero que saiba que eu te desejo uma felicidade enorme, sem tamanho até, de tão grande que eu quero que seja. Porque você merece. You're my better half, tá? E eu sei que eu sou uma bobona sensível, que o meu sentimentalismo barato é exarcebado e que eu sou mais bicha do que é aceitável, mas eu sei que às vezes você acha isso meigo e adorável, então você me entende e me respeita. Gosto disso. Gosto de você. Gosto quando estou mal e te vejo e posso te abraçar no meio do corredor e esconder meu rosto no seu ombro pra poder chorar em paz. Gosto quando você me deixa rabiscar o seu corpo, porque sabe que sou criança e que vejo graça nesse tipo de coisa. Gosto quando você me acompanha em músicas, em risos e em pensamentos. Gosto da sua companhia. Gosto de saber que você é único. Gosto até do seu novo cabelo (e vou comprar xampu de camomila assim que der). Gosto do seu novo amor. Gosto de saber que você tem coração (ha!) e não é só um robô. Gosto de trocar segredos e confidências, e gosto de saber que você não me julga porque somos iguais. Gosto de saber que você me aceita, do jeito que eu sou, esse troço. E mais ainda, gosto de pensar em você quando o meu dia tá uma merda e eu sei que não tem mais ninguém do meu lado, que eu estou sozinha.

Você sabe que eu já estou chorando e que, se pudesse, estaria agarrada à uma garrafa de cerveja. E que provavelmente estaria reclamando. E que, logo depois, eu ia começar a chorar mais, até que eu ia começar a rir de desespero e o desespero iria embora com a cerveja, e de repente eu ia me sentir melancólica e ia voltar a rir, e depois eu esqueceria tudo e voltaria a rir e cantar trechos de músicas da Madonna ou de qualquer cantora pop realmente boa. E que depois eu, como todo bom bêbado, te abraçaria e diria que eu te amo e que não quero te perder, porque você é um hell of a guy e eu tenho sorte por ter te conhecido. E depois eu iria gritar "TEQUILA!", porque esse é o tipo de coisa que eu grito numa situação dessas. Ou "MEDICINA PORRA!". Mais provável o primeiro, agora.

Mas eu não estou bêbada, só chorosa, e tudo que digo é verdade - mesmo que a cerveja me fizesse agradável companhia agora. Não sei como terminar, falta palavra (meus dedos correm pelo teclado e já não me lembro mais como comecei essa carta) e sobra choro. Desses meus que você tá habituado, quando eu seguro o choro (por medo, talvez?) e fico parecendo um filhotinho abandonado, acuado.

Sei lá. Sei que te amo. E quero te dar um abraço e dançar Love Profusion com você, porque são coisas imbecis assim que me fazem feliz e me fazem bem.

"You're my Cristina Yang. And I'm your Meredith Grey".