terça-feira, 24 de novembro de 2009

Tempestade em copo d'água


Um dia você ainda se afoga, menina
Um dia ainda vai se afogar
Com lágrimas tristes e bobas assim
Nem o copo vai mais te guardar
Nem o copo vai mais te guardar.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Give Peace A Chance

Derek: Ask most surgeons why they became surgeons and they usually tell you the same thing. It was for the high, the rush, the thrill that comes from cutting someone open and saving their life. For me it was different, maybe it was because I grew up in a house with four sisters. No, definitely because I grew up in a house with four sisters because it was the quiet that drew me to surgery. The operating room is a quiet place. Peaceful. It has to be in order for us to stay alert, anticipate complications. When you stand in the OR, your patient open on the table, all the world's noise, all the worry that it brings disappears. A calm settles over you, time passing without thought. For that moment, you feel completely at peace. (...)

Derek: Isaac, if I get in there and find it's too dangerous to remove, the responsable thing is to close you back up.

Isaac: No, don't close me up. If you get in and it's too complicated, cut the cord. Paralyze me if you must. I survived a war, did you know that? I survived a war where they put bodies in to mass graves where there was once a playground. I survived the death of my family, my parents, my brothers and sisters. Then I survived the death of my wife and child when they starved to death in a refugee camp. I survived the loss of my country, of hearing my mother tongue spoken, of knowing what it feels like to have a place to call home. I survived. And I will survive the loss of my legs. If I have to, I'll survive it. Ok? But Derek...

Derek: Yes?

Isaac: There is always a way when things look like there's no way. There's a way to do the impossible, to survive the insurvivable. There's always a way. And you, you and I have this in common. We're inspired. In the face of the impossible, we're inspired. So if I can offer one piece of advice to the world's foremost neuro surgeon... Today, if you become frightened, instead... become inspired. (...)

Derek: Ask most surgeons why they became surgeons and they usually tell you the same thing. The high, the rush, the thrill of the cut. For me it was the quiet. Peace isn't a permanent state. It exists in moments. Fleeting. Gone before we knew it was there. We can experience it at any time, in a stranger's act of kindness, a task that requires complete focus or simply the comfort of an old routine. Everyday we all experience these moments of peace. The trick is to know when they're happening so that we can embrace them, live in them. And finally let them go.


Give Peace a Chance,
7º episódio da 6ª temporada de Grey's Anatomy.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

I Always Feel Like Somebody's Watching Me

"Paranoia gives you an edge in the OR. Surgeons play out worst-case scenarios in their heads. You're ready to close, you got the bleeder. You know it, but there's that voice in your head asking: what if you didn't? What if the patient dies and you could have prevented it? So you check your work one more time before you close. Paranoia is a surgeon's best friend. (...) We're all susceptible to it, the dread and anxiety of not knowing what's coming. It's pointless in the end, because all the worrying and the making of plans for things that could or could not happen, it only makes things worse. So walk your dog or take a nap. Just whatever you do, stop worrying. Because the only cure for paranoia is to be here, just as you are."

(Meredith Grey)

I Always Feel Like Somebody's Watching Me,
3º episódio da 6ª temporada de Grey's Anatomy.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Os Objetos

“  (...) — E este anjinho? O que significa este anjinho?
  Com a ponta da agulha ela tentava desobstruir o furo da conta de coral. Franziu as sobrancelhas.
  — É um anjo, ora.
  — Eu sei. Mas para que serve? — insistiu. E apressando-se antes de ser interrompido: — Veja, Lorena, aqui na mesa este anjinho vale tanto quanto o peso de papel sem papel ou aquele cinzeiro sem cinza, quer dizer, não tem sentido nenhum. Quando olhamos para as coisas, quando tocamos nelas é que começam a viver como nós, muito mais importantes do que nós, porque continuam. O cinzeiro recebe a cinza e fica cinzeiro, o vidro pisa o papel e se impõe, esse colar que você está enfiando... É um colar ou um terço?
  — Um colar.
  — Podia ser um terço?
  — Podia.
  — Então é você que decide. Esse anjinho não é nada, mas se toco nele vira anjo mesmo, com funções de anjo. — Segurou-o com força pelas asas. — Quais são as funções de um anjo?
  Ela deixou cair na caixa a conta obstruída e escolheu outra. Experimentou o furo com a ponta da agulha.
  — Sempre ouvi dizer que o anjo é o mensageiro de Deus.
  — Tenho uma mensagem para Deus — disse ele e encostou os lábios na face da imagem. Soprou três vezes, cerrou os olhos e moveu os lábios murmurejantes. Tateou-lhe as feições como um cego. — Pronto, agora sim, agora é um anjo vivo.
  — E o que foi que você disse a ele?
  — Que você não me ama mais.
  Ela ficou imóvel, olhando. Inclinou-se para a caixinha de contas.
  — Adianta dizer que não é verdade?
  — Não, não adianta. — Colocou o anjo na mesa. E apertou os olhos molhados de lágrimas, de costas para ela e inclinado para o abajur. — Veja, Lorena, veja... Os objetos só têm sentido quando têm sentido, fora disso... Eles precisam ser olhados, manuseados. Como nós. Se ninguém me ama, viro uma coisa ainda mais triste do que essas, porque ando, falo, indo e vindo como uma sombra, vazio, vazio. É o peso de papel sem papel, o cinzeiro sem cinza, o anjo sem anjo, fico aquela adaga ali fora do peito. Para que serve uma adaga fora do peito? (...). ”


Trecho de Os Objetos, da escritora Lygia Fagundes Telles, em seu livro de contos Antes do Baile Verde.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Crônica da Casa Assassinada (VII)

“  Com uma das mãos segurava a ponta da cortina, com a outra alisava-me a face. Não havia neste gesto nenhuma sensualidade, mas a minúcia, o carinho de um artista pela sua obra. Deste modo acariciou-me as pálpebras, a curva do queixo, o pescoço — e devagar sua mão desceu até a curva do meu colo.
  — É bela, é bela ainda, é muito bela — disse, com a satisfação e a gravidade de um cego que já não teme nenhuma traição da realidade.
  Diante de mim eu via apenas aquele rosto tumefato, que deveria ser sem expressão, e que apesar de tudo, àquela hora, iluminava-se à luz de um fogo concentrado. Abandonou-me com um suspiro, deixando ao mesmo tempo tombar a cortina:
  — Assim você deve se conservar, Nina, para desespero dos homens. Ah, o que eles devem amargar com a sua beleza!
  Na obscuridade, uma última vez, passou docemente a mão sobre meus olhos:
  — Mas vamos, enxugue estas lágrimas; que lhe adiantam elas? As lágrimas não têm grande cotação nesse mundo; e depois, uma pessoa de sua força não deve chorar nunca.
  Dizendo isso, afastou-se. Vi seu vulto submergir na penumbra, enquanto uma vaga cheirando a jasmim flutuava em sua esteira. Continuei sentada e, inexplicavelmente, tive a impressão de que mergulhara numa escuridão maior do que aquela em que estivera antes.”

Continuação da carta de Nina ao Coronel;
Crônica da Casa Assassinada - Lúcio Cardoso.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Telefonema, #19

 (...)
 — Vai ver você se esticou e não percebeu.
 — Não sei... mas as linhas da minha mão parecem mais longas. E cada minuto parece mais curto. Talvez seja isso. Mas deitada encarando as palmas da mão, como quem pede esmola ao passante, me veio a idéia de que cada minuto é um minuto a mais. Ou a menos. Ou a mais, ou a menos. Mais ou menos.
 — Sim.
 — Sabe, Heitor. Eu tenho me sentido muito velha ultimamente...
 — É mais uma questão de gosto do que de percepção, você sabe, não sabe?
 — Mais ou menos.
 — É. Ou a mais, ou a menos.


(trecho)

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

'Til Kingdom Come





Still my heart and hold my tongue
I feel my time, my time has come
Let me in, unlock the door
I've never felt this way before

And the wheels just keep on turning
The drummer begins to drum
I don't know which way I'm going
I don't know which way I've come

Hold my head inside your hands
I need someone who understands
I need someone, someone who hears
For you, I've waited all these years

For you I'd wait 'til kingdom come
Until my day, my day is done
And say you'll come and set me free
Just say you'll wait, you'll wait for me

In your tears and in your blood
In your fire and in your flood
I hear you laugh, I heard you sing
I wouldn't change a single thing

And the wheels just keep on turning
The drummers begin to drum
I don't know which way I'm going
I don't know what I'll become

For you I'd wait 'till kingdom come
Until my days, my days are done
And say you'll come and set me free
Just say you'll wait, you'll wait for me.

Just say you'll wait, you'll wait for me.
Just say you'll wait, you'll wait for me.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Um milhão

"E eu vou escrever um milhão de cartas com um milhão de declarações de amor, e juro que passo um milhão de dias do seu lado e não me canso. E posso te dar um milhão de beijos se você quiser, garanto um milhão de sorrisos por dia e um milhão de pensamentos pra você por segundo. Prometo um milhão das suas flores favoritas fazendo tapete no chão da sua casa, prometo um milhão de tardes jogando conversa fora, prometo um milhão de horas dormidas perdidas no seu abraço. Te dou um milhão de verdades, um milhão de doces, um milhão de jantares românticos, um milhão dos seus jogos legais mais chatos do mundo. Um milhão de noites debaixo de um milhão de estrelas, um milhão de cafés-da-manhã, um milhão de colos pro seu cochilo e um milhão de ombros pro seu choro. Te dou um milhão de suspiros, gemidos, gargalhadas, desejos, sonhos, te dou um milhão de mim. E se acontecer de você se cansar e achar que te dou muita coisa, eu prometo que apareço sozinha, acompanhada apenas do meu amor... ambos no intervalo de um infinito. Pra você não se perder no caminho."

(trecho)

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

37° C

Na cidade quente... nada acontece.
Passa bicicleta, passa gente,
passa carro, moto e ônibus,
passam todos na rua da frente,
mas nada acontece.

Entram enfermeiros, fisioterapeutas,
tias, primos, doutores, moças,
todos reclamam "como está quente!",
entra peixe que veio do rio que vai longe,
às vezes entra uma brisa indiferente,
mas na cidade quente... nada acontece.

O calor vem. Mas não vai passar.
Vai invadindo os quartos,
banheiros, copa, cozinha,
invade a sala de estar,
passa pelo canil, lavanderia,
e tem gente que diria
que o calor haveria de acabar.

Mas na cidade quente nada acontece.

O picoleiro chama, e as crianças vão.
Todos na varanda esperando o vento.
E logo cria-se um descontento,
porque nem gelado é solução.
Então o que fazem?
Continuam na varanda.
Esperam já não sei o quê.
Porque na cidade quente nada acontece.

Na cidade quente não adianta ventilador,
porque o calor não passa.
Não adianta chuva, vento, sombra,
porque o calor não passa.
Não adianta banho de mangueira,
de chuveiro ou de banheira,
porque o calor não passa.

Na cidade quente nada acontece.
Ficam todos enfurnados no tédio.
Porque o calor traz desânimo,
mal-estar,
desgosto,
é calor.
E com ele fica a prova
de que na cidade quente nada acontece.

Nada acontece na cidade quente.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Vinte reais

São 20h37 de uma sexta-feira e ele está parado no ponto de ônibus. Teve que ficar até tarde ajeitando as coisas da loja, porque gerente também se fode, e pensava nisso. Em como estava fodido. Em como toda a sua vida estava fodida. O filho fodido na escola e fodido no namoro, a esposa fodida na menopausa, ele fodido nas Casas Bahia, a empregada que se demitiu porque o filho queria treinar foda com ela, o carro fodido no mecânico, mecânico fodido, tudo fodido. E o ônibus fodido não passava. Então é de se esperar que a fala inicial dessa história tenha vindo dele justamente assim:

- Puta, tá foda...

Foi só terminar as reticências que sentiu um cano em suas costas.

- Parado aí, bichão, ou tu morre.

Só teve tempo de pensar "Vai tomar no cu!" e falou, de costas, sem se mover:

- Amigo, quebra meu galho, eu tô fodido...

- Fodido tu vai ficar se continuar falando, passa a grana aê, passa rápido!

- Meu irmão, me escuta.

- Sou teu irmão porra nenhuma não, fí, passa a grana senão tu morre aqui e agora!

Resolveu mandar a cautela ao inferno e virou-se para o bandido. Era um homem que aparentava uns 30 e poucos anos, barba por fazer, boné colocado de qualquer jeito na cabeça. Apontava uma arma para a sua barriga. E uma gota de suor começava a escorrer pela bochecha do bandido. Pensou: "Calor filho da puta, bandido filho da puta".

- Amigo, entende uma coisa. Eu vejo que cê tá apontando a arma pra mim e eu não duvido que você vá me matar. Mas antes, me escuta.

- Te escutar o que, rapá, cala tua boca e passa o dinheiro! Filho da puta!

- Meu caro, você quer matar um homem que não tem um puto no bolso! Um puto no bolso, me entende? Olha aqui, ó (remexeu os bolsos), eu tenho dois Tridents de menta, o cartão do ônibus que é do meu filho porque meu carro tá no mecânico e 20 reais com um durex, uma porra dum durex, cê vai me matar por 20 reais? Eu sou pai de família, tenho que levar sustento pra casa, tô na pindaíba e você quer tirar o pouco que eu tenho por causa de 20 reais, amigo?

- Então passa os 20 conto que fica tudo de boa, mas anda logo, maluco!

- Eu não posso te dar os 20 reais porque eu prometi à minha esposa que ia passar na padaria pra comprar apresuntado e manteiga, meus cigarros acabaram também, e tenho que comprar o xarope pra tosse do Henrique porque a gente não agüenta mais o menino tossindo a noite inteira, meu filho tem rinite e sinusite, a coisa atacou, menino não pára de tossir, como é que eu chego em casa sem o xarope do meu filho, colega? Como?

O bandido começa a abaixar a arma e diz:

- Malaco, te vira, só passa a grana que eu vou embora e a gente fica de boa...

- Não! - e ele já está revoltado - Não vou te passar! Eu trabalho todo dia na porra daquela Casas Bahia pra conseguir pagar as coisas da minha mulher, porque agora ela deu pra achar que tá na menopausa, então estamos entrando numa crise, você acha que eu ainda lembro do que é trepar? Não, meu irmão, eu não trepo já tem quatro meses e isso é alguma coisa sim senhor, e eu tenho que ir todo dia pr'aquele furdunço desgraçado ver nego sendo assaltado porque eu sei que aquilo é um assalto, culpa não é minha, aí me quebra o carro, Henrique me quebra o carro levando a namoradinha pro curso de mandarim, quem é que faz curso de mandarim nessa cidade nesses tempos? Mas Henrique leva pra conseguir trepar com a menina e não ser um perdedor tipo o pai que não trepa com a esposa e quebra o carro, ele quebra o carro e o mecânico é um ladrão que também devia trabalhar nas Casas Bahia, então eu pego ônibus com o cartão do Henrique e a coisa já falhou duas vezes só nessa semana, só nessa semana! E agora é sexta e eu acho que finalmente vou chegar em casa e tirar esse suor fedido do corpo e tomar uma latinha e você quer meus vinte reais? Meus vinte reais?

O bandido se revolta e fala:

- Se tu continuar com essa ladainha eu te mato ocê! Eu te mato ocê, tá entendendo?

E ao erguer a arma, o homem percebe que não faz mais diferença. Não faz. Resolve abrir os braços e diz:

- Mata.

- Maluco, qual é a tua?

- Não, porra, mata! Mata mesmo. Não faz mais diferença. Não faz. Minha vida vale mais que vinte paus. Isso não é vida. Atira.

- Colé, irmão!

- Atira, seu filho da puta! Atira!

- Tu tá me achando com cara de chumbinho que ocê pega e toma pra se matar, fí? Eu não vou resolver teus ploblema não! Pára de me pedir pra te matar ocê que eu não sou livra-alma não, cacete!

- Eu te dou 20 reais e o cartão do BH Bus! Vai! Mata!

- Sai daqui, viado, não vou matar ninguém não, se acalma! Seu porra! Fica calmo, cacete!

- Calmo, ficar calmo, como fico calmo, eu devia trabalhar na Ricardo, eu devia nem trabalhar, eu devia ter ido pra São José do Jacaré ter ficado quieto no meu canto, quieto no meu canto quando eu tive a chance, mas agora eu tô aqui, puta que pariu eu preciso duma cerveja! Eu quero uma cerveja antes de morrer! Calor filho da puta! Gravata filha da puta! Bandido filho da puta!

- Filho da puta é tu, neguim! Filho da puta é tu! Quieta aí!

- Quer saber dum negócio? Cê vai comigo pro bar. Pro bar!

- Viado, tá louco, sai daqui! Pára de me puxar, seu bosta!

- Pro bar! Beber! Vinte milha só de cachaça, é isso que eu quero, e tu vai comigo. Cê vai comigo porque você é um grande homem e é por sua causa que eu percebi que a minha vida vale mais! Vale muito mais!

E, depois de muita insistência, foram para o bar mais próximo. Tomaram mais do que vinte reais, porque o assaltante também ajudou, e trocaram confidências e segredos e verdades e, no fim, se chamaram de irmãos. De verdadeiros amigos. E beberam em nome da amizade, da irmandade, da colegagem. Em nome do tempo em que Roberto Carlos não era brega e não era coisa de idoso em cruzeiro, em nome do tempo em que as favelas eram menos violentas e em nome do tempo em que era mais fácil comer a empregada do que a esposa ou a namoradinha que faz mandarim. Então, às 3h da manhã, o homem chegou em casa tropeçando nos próprios pés e, mais tarde, no mesmo dia, uma filial das Casas Bahias foi saqueada.

E a história acaba aqui, mas vale mencionar que encontraram, em cima de um balcão da loja, uma nota de vinte reais colada com um pedaço de fita adesiva e um Trident de menta.